A Propósito...

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Saber de Cor

Saber de cor é saber de coração. Passar um texto para o corpo não é inscrevê-lo mecanicamente nos neurónios específicos. A língua está cá dentro e é corpo. Onde estará a língua? Está também no corpo e certamente algures entre nós que a falamos. Por isso ela não é exactamente a mesma em todos os falantes mas tem vícios próprios, singularidades, tropeça em afasias e ganha relevos próprios no sotaque. Na dislexia é por vezes muito divertida, aí não se dobra a língua, não há erro, há estrabismo verbal, o lapso quase previsível na repetição.
Respirar um texto é meter um texto no músculo cardíaco, dar-lhe vida nova, insuflar-lhe uma ressurreição. George Steiner faz essa análise etimológica que nos leva do falar de cor ao falar de coração. O contrário do falar de cor que, para nós, é justamente falar sem saber, posar por vezes. O que muitos fazem mesmo sem dar por isso, pois falar de cor é essa comunicação que se vende hoje em dia, é deslizar sobre as coisas para que o fluxo não se trave e crie alguma angústia, essa flor de pétalas enegrecidas e ácidas que espreita no silêncio. E falar de coração no que diz respeito à assimilação inteligente de um texto é justamente respirá-lo, atribuir-lhe pausas, silêncios, interrupções, cortá-lo, torná-lo abrupto, áspero ou sensível, fala, não propriamente naturalizada mas refeita com a inteligência da montagem. É esse o trabalho do actor que infelizmente pouco se pratica. Os valores da pose e as éticas comezinhas do naturalismo reemergente, psicológico, culinário e provinciano voltam ao de cimo, o poder homogeneizador da mediocridade dita leis e a lei é o insecto fazer de insecto para outros insectos consumidores. Uma poética rigorosa não sobrevive no meio da média. A média é a linha da frente do arcaísmo pós moderno. É a moda. A moda, a pequena moda das convergências reconciliadas, mesmo em matérias fora de moda como o teatro, desenvolvem-se de modo tribal, isto é, por simpatias exteriores reconhecíveis nos totens ajuntadores de interesses, assim falou Zeus. Tribal e totalitariamente como certa dita performance faz, essa sedução que a publicidade e o ready made exercem sobre a precária sabedoria dos iniciados e dos iniciantes. Dos negociantes também.
Sobre é estar de fora, sobre, não a levitar, nem a voar, mas a somar retórica, retóricas, o que significa cartilha, o mesmo em remesmo. Estar de dentro e explicitar o de dentro é o contrário do sobre. Sobre é por cima da coisa, não dentro dela. Um parto é ter dentro e pôr cá fora o que levou um tempo único e uma vivência extraordinária única. Um texto é como um parto, não se constrói para explicitação, para ser presentificado apenas fora, por fora. A pose é por fora, é sobre. Aí sobrepõe-se a mecânica ao gesto que renasce, que nasce. O que renasce nasce sempre de novo ou nasce morto. A pose é uma ética do exterior que sem ética se encontra com outros exteriores, uma relação entre exteriores. O texto interior é um outro mundo e nada tem de naturalizado obrigatório, tudo tem de potencial – depende dos modos de aplicação. Não sou português porque tenha um BI, sou-o porque cresci falante da língua de uma forma em que me reconheço, isto é, única, entre os meus próximos e os outros – e reconheço os outros como próximos quando a farinha do mesmo pão se tece comum ao ponto de ser outra.
Não tenho aliás mais nada que a língua na escrita, nem acções em bancos nem barcos de recreio, nem bosques privados. Tenho pausas e silêncios em que inscrevo palavras, ou à vez, títulos, ou em sequência, jorrando e seleccionado a seguir, ou atirando-as como pedras.
Com um instrumento isto é de uma clareza total. Arranhando as cordas da guitarra nota-se que o instrumento não está incorporado. E muitas vezes com a técnica em espectáculo, a virtuosidade do instrumentista mostra-nos a diferença entre o sobre e o dentro. Mas o dentro tem os seus foras. Não é um mergulho nas sensações sem fronteiras do inconsciente criativo. É um dentro que se vê de fora e que regressa ao dentro, aí está a sua energia. A relação entre energia e montagem, a inteligência dos actos e das respirações, estabelece para o dentro a possibilidade de se relacionar com outros. As relações possíveis são entre exteriores, mas estes podem ou não exercer-se como energias interiores autênticas. Eis a pedra de toque.


Fernando Mora Ramos

___________________________GLOSSÁRIO DOS LUSÍADAS CANTOS I A V

Apolo/Febo /Hiperiónio - Deus do Sol, da música, da medicina….
Arcturo – Norte
Argento – Prata, de prata
Arnês – Armadura completa de guerreiro
Assento – morada, céu
Aparelhar – preparar, dispor
Aurora – Oriente, Índia
Austro – Sul, vento Sul

Baco/Lieu/Tebano/Tioneu – Deus do vinho, conquistador da Índia, inimigo dos Portugueses
Bélico/belicoso/belígero – guerra/ guerreiro
Bóreas – vento Norte
Ceita – Ceuta
Clima – região
Colo – pescoço, peito
Cometer – enfrentar, realizar, atrever-se
Compelir – obrigar, coagir
Concertar – dispor, preparar
Cru – cruel, trágico, repugnante
Cuidado – esperado, pensado, imaginado
Diligente – ativo, dedicado, apressado,
Dóris – Filha do Oceano e de Tétis, mulher e irmã de Nereu, mãe das Nereidas
Empresa – Empreendimento, conquista, façanha
Eneias – figura principal de Eneida de Virgílio
Engenho – inteligência, talento, espírito
Éolo – Deus dos ventos
Espessura – Floresta
Extremo – aflição, exagero, último, supremo

Facundo – eloquente, astuto.
Faeton – filho do Sol (Apolo)
Falecer – faltar, desfalecer
Fazenda – bens, riqueza
Fero/feroce – feroz, cruel, violento
Flama – chama, fogo, paixão
Fortuna – deusa do destino, sorte.
Fronte – rosto, semblante
Generoso – nobre de sentimentos, ou de origem
Gentio – pagão, indígena, bárbaro
Geração – antepassados, ascendência, filho
Gesto – rosto, semblante, aspecto físico
Grão – grande

Hespéria – península Ibérica
Idade – Época, tempo, vida
Ínclito – ilustre
Indo – rio que banha parte da Índia
Inerte – velho
Insano – louco
Inopinado – imprevisto
Insano – louco
Instructo – instruído, versado, experiente

Jucundo – Alegre, sorridente
Júpiter/Tonante – Rei dos deuses

Lasso – Cansado, fatigado
Ledo – Alegre, contente.
Lenho – Barco
Levar – Levantar

Manar – Fluir, correr, jorrar
Marte/Mavorte – Deus da Guerra, guerra
Mercúrio/Cileneu/filho de Maia – Deus da paz e da concórdia, mensageiro
Mover – incitar, despertar, decidir

Neptuno – Deus do mar, mar
Ninfa – mulheres jovens que povoam campos, bosque, fontes
Nereidas – filhas de Nereu e Dóris, ninfas do mar
Nomeado – Famoso, afamado
Noto – Vento Sul; conhecido

Olimpo – Morada dos deuses, céu

Pesar – arrepender-se, ter pena, causar mágoa; sofrimento
Porfia – Teimosia, pertinácia
Prática – conversa amigável e alegre
Provar – experimentar, mostrar, manifestar

Reformar – refazer, restaurar, restabelecer
Refrigério – consolo
Remisso – descuidado, desleixado

Salso – salgado
Senhorio – domínio, império
Soar – cantar, ressoar, celebrar
Subido – célebre, nobre, alto
Sublimar – glorificar, engrandecer, exaltar
Sustentar – opor-se, discordar

Tétis – esposa do oceano, deusa do mar
Torvado – perturbado, confuso
Usança – costume

Valia – valor, preço
Vénus/Dione/Citereia/Ericina – filha de Júpiter, aliada dos portugueses, deusa do amor
Vitupério – afronta, humilhação, ofensa
Vulcano – Deus do raio, fazia armas.
Vulto – rosto